quarta-feira, dezembro 29, 2010

3 dias antes.






_ Pai, se o senhor ganhasse na mega sena da virada?

_ Ah! Eu levaria você e sua mãe pra um lugar especial.


Dona Candoca ouvia  a conversa dos dois, pensativa, com as mãos mergulhas na louça. Eu teria minha casa própria, pensou.

Seu Diógenes, rebatendo a bola do filho sem muita atenção, também estava...
Compraria uma empresa, meu filho cursaria medicina, mesmo que não passasse em uma federal... teria outra lua de mel... viveria momentos felizes, compartilharia alegria...

_ Pai, a bola...

De volta à realidade, Diógenes sacou a bola.

( Práaaa )

_ Que foi isso Candinha, amor.

_ Ai meu Deus... o prato caiu Dí, escorregou de minha mão.

_ Se machucou, amor?
_ Não, não... foi só...o susto.

O telefone toca.


_ Sim, ele está. Pra vc amor.

_ É o Diógenes falando.

_ Aqui é Amadeu Furtado

_ Sim, senhor, Boa tarde! Como está a senhora sua...

_ Estou ligando pra avisá-lo que a partir do dia 2 vocês têm que deixar a minha casa. Peço desculpas, mas tenho que fazer isso.


A ligação estava audível para todos ali.
De repente niguém mais pensava em nada.
O emprego de seu Diógenes não garantia outra casa  perto da escola de Pedrinho,
Dona Candoca estava grávida,
Pedrinho só pensava nos 190 milhões, sem mesmo ter a noção de quanto dinheiro era. Queria tomar banho de piscina.

A TV estava ligada, foi  o que tirou aquelas pessoas daquele momento perturbador.
Naquele instante passava o comercial da loteria da caixa. É disso que eu preciso, pensou Diógenes.

_ Nem olhe muito, amor. Isso aí é enrolação. Até o ENEM tem aqueles negócios... imagina uma bolada dessas.


Pedrinho continuava pensando na sua piscina.

A piscina dele.

Dele.

Três dias antes ele acompanhara o pai na enorme fila da lotérica do centro.
Pedrinho estava certo de que no próximo ano ele estaria rico.

Eu faria igual o DIDI, pensou. Levaria comida todos os dias pra meus amigos lá perto de casa.
E depois a gente ia tomar banho na MINHA piscina. 

O pai, já irritado de tanto esperar na fila, diz ao filho:

_ Eita que o sol ta quente eim Pedrinho.

_ Tá pai. Por enquanto, pensou.

terça-feira, dezembro 28, 2010

Eles diferem na idade, mas são os mesmos em pensamentos

_ Pensei que você fosse meu amigo.

Ao ouvir isso, o fiscal recolheu silenciosamente a prova do garoto,

e nunca mais o vira.


Ricardo era o melhor da turma, porém, aquilo lhe tornava inferior aos outros alunos: sua lentidão na prova.
Com bons modos, uma aparência um pouco nerd, um olhar delicado e firme, um aperto de mão decidido, e o interesse em descobrir,  fazia qualquer "paizão" querê-lo como "filhão".

E aquele fiscal, ao longo do ano, tinha orgulho ao aplicar a prova naquela sala, - havia alguém em especial, alguém que ele desenvolvera um sentimento, era seu amigo caçula.

Pelo menos ele pensava que assim fosse.

As últimas provas chegaram ao fim e os alunos estavam quase de férias. O fiscal já estava livre, pois apartir daquele dia só os alunos esperariam o resultado final. Ele fizera a parte dele.

Como quem espera o filho sair correndo da sala de aula em direção aos seus braços,
o rapaz, de saída, observava ao redor e, de vez em quando, olhava atrás, na esperança de encontrá-lo, poder abraçá-lo e dizer : _ Tudo de bom, cara.

O rapaz tinha-o como filho. Um filho que não planeja a curto prazo, mas mesmo assim, um filho.

Um filho.

Simplesmente pelo dever de não poder "passar cola" para os alunos, ele ouviu uma das piores frases.

Atravessou a rua e caminhou em direção a sua casa, involto em pensamentos.


Quase o mesmo aconteceu com ele hoje, só que de uma forma mais elegante, à maneira adulta. Em uma tentativa fútil de solucionar um problema, ele ouviu de um amigo querido:

_ Precisamos nos afastar, os quatro.

E por último:

_Abraço! - outro.

Sabe uma daquelas pessoas que você encontra por aí, que resplandesce alegria, e você sente como se já a conhecesse há "pencas"... - é, ele conheceu.

E acreditou em uma longa amizade.

- droga.


                      "Não abandones o velho amigo, porque o novo não será como ele".